A disputa de vagas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já não é
acirrada somente pelo número de estudantes oriundos de escolas do ensino
médio. Um outro grupo também figura como candidato a ocupar cursos de
direito e medicina, por exemplo. Dentro das cadeias do país, detentos
abraçam a ideia de começar um capítulo novo na vida. No Amazonas, o
projeto Bambu abriga presos que se preparam para o exame.
Foi na biblioteca do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj),
localizado no Km 4 da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, onde 20
presos revelaram ao G1 as expectativas para "virar a página" de suas
histórias. No local, além de absorver conhecimentos gerais, o estudo
para o exame também ajuda a reduzir a pena.
Uma das histórias de quem garante perseguir um novo ideal é a de
Francivaldo Lima. Em 2012, ele acabou condenado pelo crime de
latrocínio. Atualmente com 30 anos, falou ao G1 sobre a motivação
particular para mudar os rumos da vida dentro do lugar em que cumpre
pena. Segundo ele, a oportunidade de se redimir dos crimes por meio da
educação é "ímpar".
"Lá fora, eu não tinha tempo para a educação, tinha responsabilidades
com a filha e com a esposa. As coisas foram dando errado e eu quis
fugir para as drogas, acabei entrando no mundo do crime. Hoje, eu creio
que quando a vida fecha uma porta, outra se abre".Fabiano também quer cursar direito para ajudar pessoas que não podem pagar advogado (Foto: Sérgio Rodrigues / G1 AM)
Francivaldo diz que quer salvar vidas e ajudar doentes. O pensamento
embala o sonho de um dia se tornar médico. As horas vagas na cadeia já
não são ocupadas apenas com atividades recreativas com os demais presos.
É nesse momento que ele também aproveita para revisar o que aprendeu
durante as aulas.
"Eu também trabalho na biblioteca e isso me dá a oportunidade de ter
mais um tempo para ler. Na cela, eu falo com os meus colegas sobre as
questões que não entendi e vamos nos ajudando a estudar. Desde pequeno,
sonho em ser médico e creio que agora nada mais me atrapalha", destacou.
'Não quero mais o crime'
Outros detentos participantes do projeto almejam cursos baseados na
própria história de vida. Há quatro anos e seis meses sendo interno no
Compaj, Fabiano da Silva Conceição, 33, pretende cursar direito.
Ele pensa em simplificar a vida de quem um dia pode estar na mesma
situação dele. Fabiano quer ajudar pessoas que não têm condições de
pagar um advogado.
"Escolho direito porque penso na minha situação, vim de família
humilde e não pude conseguir um advogado particular, dependo de
defensores públicos até hoje, o que atrasa ainda mais a minha pena. Se
conseguir cursar essa faculdade, quero ajudar as pessoas que realmente
precisam", afirma.
Fabiano foi parar no Compaj após ser condenado por assalto à mão
armada. Ele cumpre pena de 23 anos de reclusão. Junto aos colegas de
cela, diz se arrepender de não ter buscado a formação fora do presídio.
"O Enem pra mim é uma oportunidade de ganhar meu aprendizado e poder
cursar uma faculdade, não quero mais essa vida de crime. Aqui dentro a
situação é muito ruim, eu queria ter aproveitado mais as chances que
tive. Temos uma união bem sucedida e uma força de vontade enorme de
ajudar um ao outro. Eu digo para as pessoas que estão aí fora, em
liberdade, que elas têm uma oportunidade incrível de crescer e que não
deveriam desperdiçar“, aconselhou.
Em 2013, Edvaldo Caetano, de 33 anos, fez a prova do Enem para tentar
uma vaga em Serviço Social. Antes de se dedicar aos estudos na prisão,
ele tentou fugir do local em três ocasiões.
"Quando fui baleado em 2009 [em uma das tentativas de fuga], tomei a
iniciativa de mudar de vida quando estava no isolamento", disse.
Caetano não conseguiu a matrícula para a faculdade, mas persiste em
seu sonho. "Minha nota não era o suficiente para conseguir passar, mas
pretendo melhorar e continuar com meus métodos de estudos. Não quero
desistir de cursar uma faculdade".
O projeto
Realizado no regime fechado masculino, das 8h às 13h, dentro da
Biblioteca da unidade prisional, o "Bambu" teve início em fevereiro
deste ano. As aulas ocorrem de segunda a sexta, com monitores
voluntários. A cada três dias de aulas, os participantes podem ter um
dia de pena reduzido, após a avaliação de um juiz. De acordo com o
coordenador do projeto, o psicólogo Valter Sales, a ideia é aumentar a
média das notas dos internos.
"Eu era o responsável por fazer as inscrições dos internos no Enem e
conseguíamos um número bem significativo, porém o resultado não dava
margem para que eles competissem. Então, pensamos em uma alternativa
para tentar ajudá-los a se preparar, ter um grupo de estudo onde eles
pudessem discutir temas pertinentes ao exame", explicou.
Além do Enem, o projeto também prepara os detentos para o Exame
Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos
(Encceja), com uma turma no período vespertino.
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) do
Amazonas informou que ainda não possui o número total de detentos que
irão realizar o Enem em 2015.
(Pararijos NEWS)
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